farewell: mned para yüe e yuna

“É chegado o seu momento. Desperte”.

Yuna abriu os olhos. Fê-lo tão rápido, tomada pela adrenalina, que soube que não voltaria mais para os braços de Morfeu. Era a primeira vez em algum tempo que visualizava o contorno da fênix lunar em seus sonhos; sendo quem era, a jovem Hwang imaginava o que se passava ante aquele acontecimento tão insólito.

Sentou na cama.

Alguém havia lhe dito um dia para não tentar decifrar os sonhos — eles eram inconstantes, em uma dimensão longe do entendimento superficial da menina. Yuna nunca obedecera. Ela passava horas a fio tentando identificar elementos em seu mundo onírico pessoal, mas seus esforços nunca eram recompensados.

Soltou um longo suspiro.






A priori, Hwang não entendeu o motivo daquela euforia. Achou-a incomum — até mesmo para os padrões do Acampamento —, de modo que tentou averiguar com um olhar curioso a própria movimentação dos campistas. Cochichos apressados e palavras desconexas ditas ao vento em nada ajudaram a asiática a entender o que se passava. Como conhecia um número limitado de pessoas, ela pensou se não seria uma boa ideia averiguar por si só.

A massa peregrinava para a Colina.

Foi para lá que Yuna, acompanhada de Hisang, se dirigiu. Conforme os seus passos desbravavam o terreno, a veterana imaginava o que poderia estar acontecendo no topo do principal cume do vale. Ela pouco pensava no Pinheiro de Thalia; era o seu local menos visitado em todas as dependências do Acampamento, mesmo estando ali por seis anos. As memórias de Heo-Jin entregando-a à suposta segurança das fronteiras do refúgio semidivino quando tinha treze anos ainda assombravam a coreana.

A despedida do pai fora tão fria quanto um beijo de Quione.

Buscou afastar aqueles pensamentos quando atingiu o apogeu do local, onde ela e mais uma turba de semideuses confusos e curiosos se aglomeravam para tentar entender.

“O que é isso?”, ela se questionou. “Oh, é uma pessoa”.

A princípio, as íris de opala da coreana não conseguiram distinguir as formas humanas de quem falava com Quíron. Ela reparou primeiramente no semblante preocupado do centauro, e seguindo a linha imaginaria de seu olhar, encontrou a figura feminina manchada de sangue. O escarlate vívido causou uma náusea momentânea em Yuna.

Ela falava coisas das quais a garota não podia compreender àquela distância, mas sua linguagem corporal — agitada e trêmula —, denunciava que seu vocabulário era amedrontado, urgente e cheio de dor. Hisang emitiu um ruído baixo, obrigando Yuna a acariciar o espaço entre as orelhas pontiagudas do vulpino para acalmá-lo.

Parecia sentir que algo ruim se desenrolava.

— Eu também, Hisang — ela sussurrou. — Eu também.






Não muito depois, ela caminhava à Casa Grande. Conforme seus passos diminuíam a distância entre si e a construção azulada, alguns pensamentos velozes como raios cruzavam a mente de Yuna; bem como o coração acelerado, sua mente parecia trabalhar a mil por hora.

Foi ter diretamente com Quíron, ignorando a agitação dos monitores que se reuniam em um frenesi de perguntas sem nenhuma resposta aparentemente.

— É uma reunião fechada — alertou uma das monitoras, a do chalé de Afrodite, quando viram Yuna parada na soleira. Ela timidamente chamava o centauro.

— Violet, agora não — Quíron censurou, cansado. Deixou-os por alguns instantes, fechando a porta da sala de reuniões e ficando a sós com Hwang no corredor. — O que deseja, senhorita? Imagino que seja algo de extrema urgência…

Os olhos seculares do híbrido notaram com certa estranheza a mochila que ela trazia em um ombro, bem como as roupas bem agasalhadas condizentes ao fim do outono.

— É a respeito do que aconteceu hoje mais cedo. — Ela engoliu em seco. Percebeu naquele momento que não sabia o que iria falar, tampouco achava que fosse conseguir concretizar suas ideias em argumentos sólidos o suficiente para convencer o centauro do que estava prestes a fazer. — Tive um sonho essa noite.

“Eu falo sobre a fênix lunar? Sobre Selene?”

Achou melhor não.

— E então? — Ele a instigou a prosseguir.

— Ouvi um aviso, ou melhor, uma espécie de chamado. Dizia que minha hora havia chegado, e logo depois tudo aquilo aconteceu. Acho que era um alerta para que eu me envolvesse nas buscas, Quíron. — Conseguiu dizer. — Eu sei que não tenho muita experiência e minhas técnicas em combate ainda precisam ser lapidadas, mas um chamado dessa magnitude envolvendo a minha mãe…

— Você acha que esse chamado veio de Selene?

— Bom, sim… — Yuna disse. — Sempre escuto mensagens sobre a deusa da Lua em meus sonhos. Não haveria motivos pra ser diferente dessa vez.

— Entendo. Acontece, senhorita Hwang, que eu não posso deixá-la partir em uma busca para desvendar o que causou a morte de outro semideus mais experiente. Seria imoral e irresponsável de minha parte.

— Eu sei. — Ela tamborilou os dedos. — Mas sinto que meu destino começa aqui, com isso. É uma tarefa arriscada, mas eu prefiro ver como uma prova de fogo que Selene colocou em meu caminho.

“Selene ou qualquer outro deus que esteja me vigiando de perto”.

Sobre isso, nada disse.

— Bom, Yuna… — Quíron estudou o rosto da coreana. Ele a conhecia por seis anos, era uma das poucas pessoas que habitava o chalé de Selene. O diretor sabia que a asiática pouco conhecia de técnicas de combate. Estaria ela realmente preparada para aquilo? Possivelmente não. Mas um chamado divino era difícil de ser ignorado. — Você pode até ir…

Ela sorriu.

— Mas não irá sozinha.

armas:

Detestava se apresentar para pessoas novas.

Digo, não era como se conhecesse muitas pessoas pelo Acampamento. Naquela manhã em específico, não tivera contato com nenhum outro dos seus irmãos ou mesmo Hidora Kai, de modo que guardava seus pensamentos desconexos unicamente a Hisang. O lobo farejava o ar acompanhando os passos de sua dona sendo um vulto branco e silencioso ao lado dela conforme suas botas desbravavam uma vez mais o terreno.

“Deve ser ela”.

Engoliu em seco. Hwang aceitara de bom grado a companhia de mais alguém naquela empreitada, embora ela preferisse fazer as coisas sozinha. Seria infantil de sua parte recusar a proposta de uma missão em dupla, uma vez que ela sequer sabia se defender propriamente sem Hisang.

A menina era praticamente da sua altura. Esguia e de traços asiáticos, semelhantes aos da coreana, ela tinha algo díspar em suas feições. Yuna não conseguiu identificar o que era, mas sabia que se tratava de uma beleza surreal e atrativa.

— Oi. — Disse, lacônica. — Quíron me disse que você tinha interesse em investigar tudo isso que está acontecendo. Bom, aparentemente vamos juntas.

Tentou parecer simpática.

— Belo tigre. — Completou, sem saber muito bem o que dizer. — Esse é Hisang. — Acariciou as orelhas brancas do vulpino. — Oh, o que estou fazendo? Me chamo Yuna. Hwang Yuna. Você é…?

“Eu espero que ela saiba lutar melhor que eu”, pensou.

Quíron colocara à disposição de ambas um mapa. Bom, pelo menos era o que tentava ser: além de exibir o território americano, tinha um círculo vermelho feito às pressas. México e Arizona. Aquilo parecia cada vez mais intrigante.

— Como vamos chegar lá? — Perguntou para a filha de Eros. — Poderíamos usar a Carruagem da Danação para percorrer Nova Iorque, mas ela não atua fora dos limites do estado, imagino. É bem distante. Poderíamos pegar um ônibus na rodoviária ou um avião, mas eu não gostaria de ir sem Hisang comigo. Você tem alguma ideia?

Como obra do destino — ou algo similar a isso —, duas figuras masculinas se fizeram presentes perto das garotas. Ofereciam ajuda, embora Yuna não estivesse acostumada com aquele tipo de contato.

Um olhar de relance para Yuë selou a concordância entre ambas sobre o transporte. “Espero que nos levem ao lugar certo, ou pelo menos próximo disso”.

Hisang bufou. Yuna, assim como ele, estava inquieta.

armas:

Yuna nunca experimentara a dádiva do teleporte.

Pelo menos não até aquele dia.

A sensação de queda livre veio junto com um frio característico na barriga, como o despencar assustado e ansioso para o desconhecido. Ela fez o percurso inteiro de olhos fechados, restando apenas os demais sentidos para orientá-la. Ouviu um repuxo no ar, então uma mudança abrupta de clima. Estava em outro lugar.

Piscou algumas vezes, acostumando-se. Seu estômago, apesar de embrulhado, não representaria grandes entraves futuros. Hisang estava tão consternado com o ato arcano quanto sua dona, refletindo com precisão os sentimentos da garota, mas não demorou para que se colocasse em estado de alerta novamente, cauteloso e silencioso.

— Onde estamos? — Questionou. Ela duvidava que Yuë soubesse a resposta, contudo, de modo que ambas estavam provavelmente perdidas. Olhou em volta, percebendo que estavam em um lugar que se tornara lar de nada mais que fantasmas e memórias perdidas. Um lugarejo abandonado e esquecido no seio do mundo agora era o palco da confusão de uma dupla de semideusas. — Yüe, tenho a leve impressão que nos mandaram para o lugar errado.

Duvidava das próprias palavras, porém. A contragosto, algo lhe dizia que estavam exatamente onde deveriam estar.

Era apenas cedo demais para qualquer coisa.

“Azura, se estiver me ouvindo, mande um sinal”.

Mas nada veio também.

O vilarejo era repartido em duas metades, ambas seguindo em direções opostas. Os olhos pequenos de Hwang percorreram o horizonte entre elas, avaliando as opções que tinha. Pouquíssimas, concluiu. “Mesmo para um lugar como esse, continua grande demais para que percamos tempo procurando juntas”.

— Acho que separadas nós podemos cobrir um terreno maior. — Sugeriu. — Eu tenho Hisang, você tem o tigre. Estamos em boas companhias, e acho que podemos nos encontrar aqui em alguns minutos como garantia de que não nos perdemos ou morremos. — A voz quase foi arrastada pelo vento.

Ela tocou suavemente a pedra lunar em seu anel, relembrando que aquela era a arma dada por sua mãe para que se defendesse. Yuna sentia que precisaria usá-la mais cedo ou mais tarde, e esse era um momento do qual não podia fugir ou simplesmente adiar.

— Boa sorte e tome cuidado. — Disse, por fim. Não era uma despedida, tampouco, apenas um momento de separação entre ambas. — Qualquer coisa, se eu precisar desesperadamente de ajuda, vou gritar o mais alto que puder. Faça o mesmo!

Yuna girou sobre os calcanhares, tomando o rumo da direita.

armas:

Hisang liderava o caminho, o faro desbravando trilhas ocultas as quais nunca sequer seriam identificadas por Yuna. O labirinto de casas e construções empoeiradas era grande, notou, de modo que precisariam de muitos dias para esquadrinhar tudo minuciosamente. A questão era que não tinham muitos dias.

Os sapatos pretos da garota passaram a fazer a madeira sob seus pés ranger quando adentraram em uma casa distante.

Como as demais, aquela residência não tinha qualquer sinal de vida. Abandonada há muito tempo, era lar unicamente de teias de aranha e um cheiro forte de mofo que incomodava o olfato da asiática. “Espero que Yüe esteja tendo mais sorte que eu”.

Ela vasculhava na mobília quando um baque alto assustou-a. Uma mudança na pressão atmosférica se fez sentir de forma abrupta também, arrepiando os pelos de seus braços. Hisang rosnou para o ar quando uma estante de madeira bloqueou o caminho da coreana, selando a saída. Automaticamente, tocou a pedra lunar em seu anel. Com um pensamento e um brilho tímido, leitoso, conjurou a adaga virtuosa que fora um presente de Selene há muito tempo.

— Azura — sussurrou ao seu espírito protetor. — Me dê forças.

Os dedos da menina apertaram com mais força o cabo da adaga. Lunaire passou uma estranha sensação de conforto sob o toque desesperado de Hwang. A lâmina ligeiramente curva — como uma karambit — feita de prata lunar era a única coisa que a separava da criatura amorfa que somente então ganhava contornos visíveis aos olhos negros da moçoila. Era como um pedaço de neblina se condensando em uma silhueta humanoide, um pouco mais alto que ela, usando seu poder para mover os objetos ao redor.

Ela não podia vacilar; pelo menos qualquer coisa de seu treinamento deveria valer ali, certo? Hwang deu um passo adiante, pegando impulso, lançando a adaga prateada contra a criatura: ela tentaria acertá-la com aquela lâmina sagrada para que, caso seu arremesso fosse bem sucedido, fizesse um golpe sério contra o corpo do eidolon.

armas:

Passivo: